terça-feira, 24 de outubro de 2023

Artigo: Sobre mocinhos e bandidos - ou a lição que podemos tirar do cinema

 Sobre mocinhos e bandidos - ou a lição que podemos tirar do cinema

Imagem: Wikipédia

A cena se passa em um bar num vilarejo inóspito. Todos bebem e conversam animadamente, até que um forasteiro entra no recinto e faz-se silêncio completo. Lá do fundo, um sujeito com cara de poucos amigos e uma grande cicatriz no rosto grita para o desconhecido: “O que você faz por essas bandas?” Pronto. Já estão definidos o mocinho e o bandido nessa história. Se, hoje, ela soa absolutamente clichê (e de fato o é), é porque a narrativa cinematográfica evoluiu sobremaneira nas últimas décadas. 


Ainda nos primórdios do cinema, D. W. Griffith (1875 - 1948) estabeleceu grande parte dos cânones técnicos do ofício, mas é fato que a complexidade das histórias se desenvolveu em um ritmo acelerado no cinema moderno. Não é propósito deste artigo esgotar as diversas razões para esse fenômeno, que passam, por exemplo, por movimentos como a Nouvelle Vague, entre outros, e até mesmo pela evolução dos meios de comunicação e da internet, que levaram a expressão ‘multimídia’ a um novo patamar. O fato é que, hoje, temos verso, multiverso, personagens multifacetados, arcos não lineares etc.


Se, por um lado, as plateias ficaram mais exigentes e não compram mais tramas simplórias e personagens unidimensionais, essa mesma sofisticação muitas vezes não é observada na vida real quando nos deparamos com questões absolutamente complexas, tais como uma eleição presidencial, um julgamento envolvendo disputas agrárias ou, ainda, uma guerra entre países. Para grande parte, tudo isso pode ser resumido entre mocinhos e bandidos.


O novo conflito entre Israel e o grupo palestino Hamas é mais um exemplo dessa dicotomia rasa. Em questão de dias, mais de seis mil pessoas já morreram, incluindo incontáveis civis inocentes, e é certo que esse número está subnotificado uma vez que muitas vítimas ainda estão desaparecidas embaixo de escombros, especialmente na Faixa de Gaza. Também é incerto o número de reféns israelenses e estrangeiros. Um cenário desolador que pode ficar ainda mais grave com uma eventual escalada do conflito e entrada de outros países.


Em situações como essa, a velha frase, por vezes atribuída ao dramaturgo grego Ésquilo, sempre vem à tona: “Em uma guerra, a primeira vítima é a verdade.” Por óbvio, é fundamental uma análise mais apurada da cobertura da imprensa mundial, que pode sim incorrer em erros ou mesmo agir de maneira tendenciosa. Não menos importante é debater as posições de cada governo sobre o conflito e também de organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), buscando compreender os interesses de cada um desses atores.


Senso crítico é, segundo o dicionário Michaelis, a “faculdade de julgar com imparcialidade, sensatez e discernimento”. Ceticismo, ainda de acordo com a mesma publicação, é uma “corrente de pensamento segundo a qual o espírito humano não pode ter certeza absoluta de alcançar a verdade e deve abster-se de julgar”. O primeiro é importante; já o segundo, é perigoso e pode levar a uma acomodação em nossa zona de conforto.


Ao adotarmos uma postura extremamente cética, nos apegamos às nossas idiossincrasias, considerando apenas aquilo que reforça o que já acreditamos. No X (antigo Twitter), utilizado por muitas pessoas como fonte de informação, é possível identificar quem sequer conseguiria apontar no mapa a região do Oriente Médio (ou Levante, como preferem alguns especialistas) emitindo veredictos sobre a guerra, reproduzindo desinformação e espalhando preconceito. Fuja dessa armadilha.


Leia, pesquise a história, busque análises diversas e produzidas por quem de fato tem credenciais, converse com pessoas de confiança, enfim, dê a medida certa de profundidade ao tema. Felizmente, a vida não se resume a um ‘Fla x Flu’ ou um ‘mocinho contra bandido’. O caminho não é fácil, mas vale muito a pena e pode até ser gratificante, tal qual solucionar o mistério em um bom filme.


*Rodrigo Ramthum, jornalista


quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Texto originalmente publicado no Instagram em 7 de dezembro de 2022.

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A paternidade proporciona momentos sublimes e de grande alegria. Por exemplo quando eles dormem, vão visitar os avós ou mesmo para uma colônia de férias. Mas quero falar de um momento entre pai, filho e Papai Noel.

Temos um cachorro idoso, manco e parcialmente cego chamado Chico. Outro dia, enquanto passeávamos, eu, Theo e Chico, chamei a atenção do pivete por correr pra muito longe, quando um sujeito de cabelos e barba grisalhas surgiu do nada e disse: "Tem que obedecer o papai."

Meu filho olhou para o cidadão e mandou na lata: "Você é o Papai Noel?" No que o senhor respondeu: "Sou, sim, mas estou disfarçado." E continuou: "O que você vai querer ganhar de Natal?" Theo respondeu: "Quero o Venon!"

"Papai Noel" prometeu deixar o presente na noite de Natal. No dia seguinte, Theo me diz: "Papai, eu esqueci de falar com o Papai Noel do presente do Beto [irmão dele]. Podemos ligar pra ele?"

Como qualquer pai responsável, meu pensamento era um só: "Como sustentar a mentira?" Pra ganhar tempo, chamei o temporão para outro passeio com Chico. No caminho, Theo entra na portaria do prédio vizinho e reencontra o "Papai Noel"!

"Papai, achei ele!" O senhor, muito solícito, entra no personagem e cumprimenta meu filho, que não perde tempo: "Eu esqueci de falar do presente do meu irmão." Papai Noel: "Ah, e o que ele quer de Natal?" Theo: "O minions Otto!"

Eu sorrio, agradeço ao cidadão pela paciência, carinho e carisma, e sigo meu rumo. Já na entrada do nosso prédio, Theo me fala: "A gente nem tirou uma foto pra mostrar pro Beto!" Volto, entro na portaria do edifício ao lado. Pergunto pro porteiro sobre o senhor de barba e cabelos grisalhos e explico a situação. O porteiro chama no apartamento. Eis que resurge Papai Noel, sem aspas e sem ressalvas. A foto comprova: era mesmo o Papai Noel!

Ele atende pelo nome de Castilho, é bem verdade, mas, para o Theo, será sempre o bom velhinho. Nunca havia cruzado com esse nobre vizinho, mas deixo registrada minha gratidão por fazer uma criança acreditar que a vida pode ser mágica.



segunda-feira, 7 de junho de 2021

Relato de um passeio em família

Texto publicado no Facebook em 5 de junho de 2021.

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Família é tudo na vida de um homem e são os pequenos momentos que tornam a coisa toda mais especial e colorida. Neste sábado, levei meus três filhos para o Jurassic Safari Experience. Como o nome pomposo já indica, o ingresso custou-me o cancelamento do plano de saúde, mas isso é detalhe quando se imagina o sorriso no rosto dos pequenos.

Nosso horário era às 10h40, então às 8h já estávamos tomando café, vestindo as crianças e preparando o lanche. Às 9h entramos no carro, prontos para o início da aventura. De Águas Claras até o Plano é um pulo, mas não tão rápido que não dê tempo para o caçula colocar para fora todo o café da manhã. Olho pelo retrovisor e avalio os danos, enquanto me recordo que o evento é todo dentro do carro. Procuro um local para estacionar ou um desfiladeiro bem alto, que assegure uma morte certa e indolor. Antes de algo tão drástico, no entanto, avisto a fila para entrar.

Parado, desço do carro e vou limpar meu filho e a cadeirinha. Só tenho uma camisa reserva. "Fica de cueca, está quente", penso. Entramos no safari. Logo avistamos alguns dinossauros e as crianças começam a interagir. É isso que faz valer a pena. Estaciono na melhor vaga que encontro, de frente para o palco, e em poucos minutos o show começa. "Olha, filho, o velociráptor!" "Veja, filho, o tiranossauro."

Pai experiente que sou, logo saco um pacote de salgadinhos e um suco pra cada um dos pivetes. "Beto, para de mexer no rádio. Presta atenção no show." "Theo, você está pisando no papai. Senta!" Percebo que estou perdendo a tropa. Penso em amarrá-los, mas isso seria errado e, mais importante, havia testemunhas. Rebeca, a mais velha, me ajuda a controlar os rebeldes.

Os dinossauros param de se aproximar. Começo a acenar, buzinar, gritar e, por alguns segundos, chorar. Sem resultado. Uma vendedora de balões se aproxima, as crianças se desesperam e eu pergunto: "Quanto?" "R$ 35 cada, senhor." Na falta de uma mesa de operações para retirada de um rim, desisto. As crianças passam do desespero para o choro compulsivo. "Cadê a porra dos dinossauros???"

Desço do carro e reclamo com o brigadista. "Não posso fazer nada, senhor." Começo a ficar nervoso. Mostro meu soco inglês para um brontossauro, solto meia dúzia de palavrões para o vendedor de algodão doce e ameaço avançar com o carro para dentro do palco. Meu surto psicótico parece surtir efeito. Os dinossauros se aproximam.

A paz dura poucos segundos. "Pai, balão do dinossauro!" Chamo a vendedora, que me olha com o semblante de quem reconhece o desespero. Compro dois balões e mando um SMS pro meu gerente perguntando a taxa do consignado.

O show termina. Na saída, encosto o carro para uma última foto com o dinossauro inflável da entrada. "Deixa os balões aí para não voar!" Cinquenta cliques depois, consigo uma boa para o grupo da família no WhatsApp. Missão cumprida (e comprida). Voltamos para o carro.

Enquanto coloco o cinto no do meio, a Beca traz o mais novo. Uma corrente de ar atravessa nosso veículo, levando com ela um dos balões. Minha filha joga o irmão no chão e tenta agarrá-lo. Eu, ainda me recobrando do surto, demoro a reagir. O dinossauro voa...

Meu filho chora pelo balão, enquanto choro pelos R$ 35. Mas aí é que a mágica acontece. Em um gesto inusitado, o irmão dá o balão para o caçula acalmar-se. Pronto. Essa cena faz tudo ficar mais leve. Entramos no carro, sorrimos e brincamos por conta do episódio.

Família é tudo na vida de um homem e são os pequenos momentos que tornam a coisa toda mais especial e colorida.

Homenagem póstuma

Texto publicado no Instagram em 24 de março de 2021.

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Nesta manhã, meu filho aproximou-se e perguntou se estava tudo bem comigo. Não estava. Eu acabara de receber a notícia do falecimento de José Paulo Mollica e tentava, em vão, segurar as lágrimas.

Paulo, como era conhecido, não era meu amigo de longa data. Nunca tomei uma cerveja com ele ou sequer sei se ele nutria esse hábito. Não tivemos a chance. O conheci em 2019, quando ele levou seus dois filhos mais velhos, à época com 4 e 5 anos, para treinar karate no dojo que frequento, a Associação Bushinkan de Karate Shotokan (ABKS).

A empatia foi instantânea, talvez pela idade próxima a minha e também por ambos termos três filhos. Trocamos algumas ideias e eu dedicava especial atenção aos seus pequenos, Daniel e Rafael, durante os treinos.

Mas veio a pandemia. Academia fechada, isolamento social, máscara. Pelo grupo no WhatsApp, mantínhamos contato uns com os outros. Há poucos dias, Paulo publicou uma última mensagem: "Oi pessoal. Estou na UTI COVID. ORAÇÕES!!! 🙏🙌". 

Eu, que não sou religioso, flagrei-me pedindo a Deus para que tudo desse certo para nosso colega. Não deu. Ele foi mais uma das milhares de vítimas por todo o País; milhões pelo mundo.

Paulo, como era conhecido, não era meu amigo de longa data. Nunca tomei uma cerveja com ele, e tudo o que queria agora era apenas dar-lhe um abraço forte. Cuidem-se.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Despedida...

Texto sobre a morte da minha cadela Shenna. Escrevi em uma hora, chorando pra caramba, e não revisei. É isso...

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Despedida...

Olá, negona. Os últimos dias foram agitados, não é verdade? Sintomas, doença, remédios, soro na veia, cirurgia, mais remédios, mais soro na veia, enfim, uma série de efeitos colaterais do amor que nós sentimos por você. Amor, esse, que nos fez lutar até o último instante para que você permanecesse conosco, com sua presença adorável.

Te conheci pequena, com pouco mais de um mês, se tanto. Inicialmente, você era do meu sobrinho Ricardo, mas, em uma transação que envolveu uma bola de futebol e pressão psicológica, terminei por me tornar o seu “dono”. Não me esqueço dos seus primeiros dias na nova casa. Dormia comigo, no meu quarto, e lá mesmo cagava e mijava, além de roer meu tapete de palha e comer uma ou duas bitucas de cigarro, no que foi prontamente repreendida! Não adiantou. Anos mais tarde, joguei uma bituca acesa pela janela da sala e, segundos depois, escutei o teu gritinho de dor por ter tentado engoli-la.

Ah, como você era um perfeito desastre. Conforme crescia, maior ficava seu desengonço frente as tarefas mais simples. Pulava em todo mundo, esbarrava em mesas e cadeiras, mas nunca avançava nos nossos. Você foi uma dama, minha Sheninha. Não mordeu ninguém, não tinha índole violenta e aturou todas as festas que nossa família realizou ao longo desses anos; e não foram poucas.

A sua obediência era singular! Bastavam dois tapas na minha coxa para que você entrasse na cozinha, e cinco horas de perseguição para que saísse dela. Adorava quando você me levava para passear, me arrastando pelas ruas e me fazendo passar vergonha com aqueles toletes imensos e tsunamis colossais durante seus alívios em público. Ah, o que eu não daria por um último passeio...

Mas, seguindo com esse modesto relato dos mais de 12 anos que tivemos juntos, o tempo foi passando. Vieram os amigos da universidade, as garotas, as farras, a madrugada e, de uma maneira ou de outra, você sempre me acompanhou. Quando chegava chapado de alguma festa, sempre ia te fazer um carinho antes de ir dormir. As vezes, você gostava. Em outras, me olhava com uma expressão que dizia: “Qual lé, cara? Eu também te amo, mas vai dormir!”. E eu sorria pra você e você me perdoava. Aliás, você sempre perdoou minhas idiotices. Ah, minha amigona!

Você me viu chorar, me viu dormir, me viu vomitar bêbado (e mordeu meu pé uma vez!), me viu comemorar, lamentar, enfim, você me viu como de fato sou. Nos últimos anos, veio o casamento. Eu me mudei, mas sempre que podia ia te visitar. Quando estava próximo da casa da sua avó Hildete, sempre dava uma passada na rua pra ver se estava tudo em ordem, e as vezes você estava lá no portão. Dói muito saber que isso nunca mais vai acontecer.

Quando usei aspas na palavra dono é porque você foi muito mais pra mim do que mera propriedade. Você foi uma filha, uma amiga, uma parceira. Ontem, dia 15 de abril de 2014, você nos deixou. A vida tem dessas surpresas. Você partiu, mas, dentro de poucos dias, seu irmãozinho vai nascer. Infelizmente, ele não irá conhecê-la. Mas vou contar histórias a seu respeito, de como você me fez feliz e cuidou de mim, me dando carinho e amor incondicionais. Vá em paz, minha negona. Vou me lembrar pra sempre de você, do seu redemoinho no pescoço, das marquinhas nas patas traseiras, da máscara branca que ia do focinho até a nuca, do seu rabinho balançando e do barulho que você fazia quando bebia água; lembranças adoráveis de uma época muito feliz da minha vida.

Sigo em frente, Shenna, pois outras pessoas que amo contam comigo. Mas saiba que tenho sentido muito a sua perda, nega. Você deixou um grande vazio. Paro por aqui, pois li algo sobre danos que lágrimas em excesso podem causar nos teclados. Piadinha sem graça, né? Eu sei. Mas é que a tristeza pela sua perda ainda é muito grande. Eu te amo.

sábado, 6 de julho de 2013

#Protestos pelo país: um ensaio sobre o mês de junho de 2013

Atualização (16/07/2013) - O texto abaixo foi publicado no site Observatório da Imprensa e também pode ser lido clicando aqui.

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Estabelecer uma sequência lógica dos fatos e entender o que representa o levante popular iniciado há um mês, no dia 06 de junho de 2013, é tarefa complicada, especialmente se levarmos em conta que tudo ainda é muito recente e os desdobramentos estão ocorrendo. Comecei a trabalhar nesse texto por volta do dia 15 de junho e, a cada dia, novos acontecimentos mudavam o rumo das minhas ideias e novas possibilidades surgiam ao longo do processo. Impossível ater-me a duas, três páginas. Tal fenômeno não se repete anualmente e era preciso registrar cada aspecto que possa, no futuro, auxiliar numa melhor compreensão do momento atual. Eis minha visão sobre o tema: 

O início
O Brasil vive um momento histórico. Após alguns protestos isolados, no início do mês de junho, por conta do aumento no preço das passagens de ônibus em algumas capitais, entre elas o Rio de Janeiro, Goiânia e São Paulo, o país se depara com uma onda generalizada de manifestações por todo o território nacional. Na capital paulista, epicentro dos recentes acontecimentos, os atos começaram no dia 06 de junho, uma quinta-feira, em razão do aumento de R$ 0,20 (vinte centavos de real) no preço da passagem de ônibus.

Protestos por conta do aumento na tarifa do transporte público não chegam a ser bem uma novidade em terras brasileiras. As primeiras ações pelo transporte gratuito em São Paulo começaram ainda em 2004, inspiradas em iniciativas ocorridas em Salvador (Revolta do Buzú, em 2003) e Florianópolis (Revolta da Catraca, em 2004). A bem da verdade, de acordo com uma publicação na página Arquivo Estadão, no Facebook, mantida pelo jornal O Estado de São Paulo, as manifestações por conta do aumento de tarifa no transporte público remontam à década de 1950, quiçá antes disso. Com a manchete “A Cidade Conflagrada Pelo Aumento de Tarifas; Choques Entre a Polícia, Agitadores e Populares (sic)”, o jornal noticiava o protesto contra o aumento da tarifa de ônibus e bondes, que deixou quatro mortos no dia 31 de outubro de 1958. No canto esquerdo inferior da página, a foto de um ônibus em chamas. Dito isso, voltemos aos protestos atuais.

Sim, o motivo inicial do levante popular foi o aumento de R$ 0,20 no preço da passagem de ônibus na capital paulista. Considero esse fator determinante para os desdobramentos que estamos presenciando atualmente. O “irrisório” valor do aumento, somado à depredação do patrimônio público durante os protestos, motivaram uma série de críticas vindas da imprensa, analistas e parte da opinião pública, incluindo o autor deste texto. Como expoente das críticas feitas aos manifestantes, podemos colocar Arnaldo Jabor. O comentarista da rádio CBN foi contundente em sua análise dos protestos em São Paulo no dia 13 de junho. Com o título “Revoltosos de classe média não valem 20 centavos”, Jabor exagerou no tom e, quatro dias depois, na segunda-feira (17), utilizando o mesmo espaço diário que tem na CBN, retratou-se com um mea culpa intitulado “Amigos, eu errei. É muito mais do que 20 centavos”.

Convém registrar que o Jabor não foi o único formador de opinião a manifestar-se contrário à motivação dos manifestantes paulistas, tão pouco as Organizações Globo, da qual a Rádio CBN faz parte, foi a única a adotar um tom crítico no início dos protestos. O fato é que foram justamente essas críticas que motivaram uma mudança crucial no tom dos atos públicos. Os populares passaram a adotar como mote a frase “Não é só por 20 centavos [de real]”, despejando uma série de reivindicações, frustrações, anseios e, por que não, esperanças em cima dos governantes. Começava ali um movimento que iria tomar conta do país.

#VemPraRua
O dia 13 de junho marca o instante em que a população brasileira deu os primeiros indícios daquilo que viria a ser, e ainda o está sendo, o maior levante popular desde o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992. Houve protesto em São Paulo naquele dia 13, o quarto não consecutivo (os três primeiros foram nos dias 6, 7 e 11), mas, ao contrário das manifestações anteriores, as cidades de Maceió, Natal, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Santarém e Sorocaba também registraram protestos que pediam desde a redução da tarifa de ônibus, casos do Rio de Janeiro e Porto Alegre, por exemplo, até coisas mais gerais como o fim da corrupção, o boicote à Copa das Confederações e, acredite, a saída de Hulk e a entrada de Lucas no escrete canarinho.

Nos dias subsequentes, foram registradas manifestações em algumas cidades, incluindo Brasília, onde houve protesto no dia 15 de junho por ocasião da abertura da Copa das Confederações, com o jogo entre Brasil e Japão. A bem da verdade, um outro protesto foi organizado nas imediações do Estádio Nacional Mané Garrincha no dia 14, véspera do jogo, mas, ao que tudo indica, foi uma ação de grupos locais e não possui o menor vinculo com as manifestações que estão aqui sendo analisadas. O fato é que cerca de 500 pessoas saíram, no dia do jogo, das proximidades da rodoviária do Plano Piloto em direção ao estádio. Houve confronto com a polícia, que dispersou os populares com bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo, além de spray de pimenta e balas de borracha.